Os cheiros
- Alayde Mestieri
- 30 de jan. de 2024
- 3 min de leitura
Atualizado: 9 de fev. de 2024
Existem cheiros inesquecíveis. Cada pessoa tem seus prediletos. E basta uma única lembrança para que tudo volte: a temperatura do momento, a felicidade ou a tristeza que se sentia, as imagens de quem estava perto, tudo. Cheiros podem ser alegres ou tristes. Era muito bom quando se entrava em casa depois do colégio logo antes do almoço e se sentia o cheiro do refogado - alho, cebola, tomate para fazer o picadinho ou o bife de panela enrolado no bacon e preso por um palitinho. A comida da nossa mãe.
Quanto tempo você leva para voltar aos onze anos?
Lembra quando há muitos, muitos anos, você ia passar as férias na fazenda? Ah, uma fazenda tem aromas absolutamente inesquecíveis: o do capim, o da terra depois da chuva, o do estábulo onde se ia de manhã bem cedo tomar o leite tirado da vaca, ainda morno, numa canequinha de alumínio. E o cheiro da tangerina? Aliás, tangerina não, mexerica; aquela pobrinha, modesta, que deixava a mão cheirando durante três dias. Esse é um cheiro muito alegre. O cheiro do bolo saindo do forno, é para sempre bolo de tabuleiro, cortado em losangos, com cobertura de açúcar com limão, e um detalhe precioso naquele tempo, por mais que se comesse não se engordava, nem se falava em diabetes. Em cima da mesa havia sempre um vidro de fortificante para abrir o apetite.
Que felicidade ter tido uma infância no interior! Mas existem outros aromas não ligados ao paladar e também inesquecíveis. O cheiro do mar, quando se chega a Santos ou Itanhaém uma licença poética com licença. As cidades têm seus cheiros, cada uma em particular, tem o cheiro de Campos do Jordão que posso sentir de olhos vendados. O cheiro de Itanhaém quando escurece com seu perfume de dama da noite…
E o perfume da casa da avó italiana, mesclava a molho de tomates com manjericão e pimenta, era delicioso, e cheirava a domingo e brincadeiras com os primos. E você teve uma tia que morava numa casa toda arrumadinha, cujo assoalho era encerado toda semana? O brilho era dado à mão, com uma escova de cabo alto, o escovão, e era chegar e ouvir: "cuidado para não escorregar". Que cheiro limpo, honesto, cheiro de gente direita. Será que isso ainda existe?
Mas há também os cheiros angustiantes: os de hospital de sala de cirurgia. Muito cheiro de flor você sabe o que lembra, mas não quero falar nisso. E existem os perfumes ricos: de carro novo, de um bom fumo de cachimbo, Chanel... E vamos combinar: cheiro de alho é bom na cozinha, de sexo no quarto, e é proibido misturar. Por falar nisso, o cheiro do homem que se ama, depois do amor, é melhor nem lembrar para não desmaiar de saudade.
Tenho em mente um cheiro inesquecível, o Natal da minha infância. Cheirava a pinheiro que já ia secando, misturado ao aroma de pêssego maduro, esse era o clima do Natal. E o cheiro do material escolar quando novo, aroma de caderno com lápis de cor, todos arrumadinhos no estojo, e sentíamos o início da responsabilidade que o novo ano anunciava.
E o perfume das violetas, que já não vejo mais. Que saudades da adolescência, quando descobri os perfumes, com buquezinhos de violetas enfeitando meu quarto de menina.
Mas existe um cheiro que só as mulheres conhecem. É o que elas sentem quando estão enxugando seus bebês depois do banho. É preciso que não haja uma só pessoa num raio de 200 metros para não haver interferência de qualquer ordem. Sem nenhuma presença estranha nem mesmo a do pai, mãe e filho vão poder dizer bobagens que só eles vão entender. Depois do talco, a mãe vai enterrar o nariz no pescoço da sua cria e cheirar com todos os seus cinco sentidos.
No princípio timidamente, mas cada vez mais forte, até quase arrebentar os pulmões de tanto amor. Na hora a gente não sabe, mas um dia vai saber: não existe nada igual a esse cheiro nem a esse momento, e nunca vai haver outro melhor. Porque esse é o cheiro da VIDA!
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